Cuba

março/2019

Lembro que Cuba surgiu meio sem querer como uma das nossas viagens, nunca tinha atraído meu interesse. De repente eu tava lá, tentando entender um pouco mais sobre como o país acontece e ficando, a cada dia, mais animada e curiosa com a experiência.

Escrevo aqui algum tempo depois de voltar e é gostosa essa tentativa de me reconectar com as sensações das descobertas e surpresas que aconteceram no caminho, agora já sabendo que essa foi uma das viagens mais incríveis que fizemos.

O mergulho nessa cultura e jeito de viver tão diferente do nosso começou antes do voo, na leitura do Expedições Urbanas – Havana, do Airton Ortiz. É um relato de viagem na forma de contos soltos tão tão tão gostoso de ler que hoje, ao decidir uma viagem, vou correndo ver se o autor não tem um livro de lá também. Ainda não tive essa sorte, mas há de chegar.

A viagem completa foi Havana (7), Cidade do Panamá (3), San Blas (3) e a decisão de não dividir os dias em Cuba em mais de um lugar foi muito influenciada pelo livro. Eu repetiria, foi uma ótima escolha. Havana tem muitas camadas, e senti que a cada dia que a gente passava na frente do mercadinho sem muita coisa dentro ou caminhava até a praça onde podíamos acessar as páginas liberadas na internet, conseguíamos mergulhar e entender um pouco mais a vida por lá.

As casas particulares de Cuba

A primeira pessoa que conheci que foi à Cuba foi a Talita, uma jornalista. De cara ela já soltou: quando for a Cuba, nem pense onde ficar em Havana, vá direto para as casas particulares. Não há experiência melhor.

Achei estranho, confesso. Cuba tinha pra mim um ar que me deixava desconfortável, parte por não saber muito, parte por ser um país bem diferente do nosso e parte por puro preconceito, hoje percebo. Já havia utilizado o Airbnb algumas vezes alugando quartos dentro da casa de moradores locais, mas na hora imaginei que em Cuba seria algo velho, sem privacidade e meio forçado. Quanto preconceito.

Não obedeci a Talita, tentei primeiro buscar hotéis para ter privacidade e um ambiente já mais conhecido, mas os preços altíssimos me forçaram a abrir o coração e considerar.

As casas particulares é um dos negócios liberados pelo governo cubano. Eles precisam registrar as informações de cada hóspede e pagam mensalmente uma taxa proporcional ao número de pessoas que ele recebeu. Esses “impostos” podem chegar a 65% do valor da diária.

Apesar da alta taxa aparentar algo pouco interessante, esse é um dos negócios mais lucrativos atualmente. Na prática, a lógica do país se estrutura como se o governo fosse um sócio de todos os negócios particulares liberados, não só no turismo.

Cada cubano pode ter no máximo três propriedades: uma na capital Havana, uma na praia e uma no campo. Essa restrição faz com que eles encontrem seu jeitinho no movimento: tendo mais filhos e até usando alguns laranjas. Não é só o brasileiro que dá seu jeitinho. Os valores dessas propriedades variam conforme três questões: localização, localização e localização. O estado de conservação também influencia mas é o local que ela está que irá definir se será usada só para moradia ou se há oportunidades para negócios, sejam eles casas particulares ou os paladares (restaurantes gerenciado pelas famílias).

Todas as casas particulares de Cuba são sinalizadas. Em azul, são pagas em CUC (moeda para turistas) por diária. Se o símbolo é vermelho, são pagas em CUP (pesos cubanos) por hora utilizada e basicamente usadas para prostituição que, apesar de ilegal, é um mercado grande no país.

A casa particular do arquiteto Luis

Encontramos a casa pelo Airbnb (link do que ficamos), fizemos a reserva e aproveitamos pra fechar o táxi do aeroporto para o local com a ajuda dele. Assim que chegamos já havia um senhor à nossa espera no saguão segurando a plaquinha com meu nome.

Não poderia ser melhor localizada, bem ao lado do La Bodeguita del Medio, que deixava a rua com uma vibe muito animada. Dali, andamos por toda Havana Vieja a pé, o Malecón era de fácil acesso, assim como os táxis e pontos de ônibus.

A casa tinha sala, cozinha, quarto, banheiro e estava muito bem cuidada. O quarto era grande, com ar condicionado e lençóis muito macios na cama. O banheiro estava limpo, havia papel higiene e a água do chuveiro era quente, apesar de ser pouca. Tudo superando nossas expectativas mas as melhores lembranças de lá são mesmo as do próprio Luis.

Todo falante, nos recebeu com uma bela explicação sobre o país, a cidade, a cultura e com o que precisávamos ficar atentos. Foram duas horas de muita simpatia. Falamos que éramos brasileiros e morávamos em uma cidade perto de Brasília e ele já soltou: ‘Ah, Oscar Niemeyer y Lúcio Costa’. 

Onde os cubanos moram, afinal?

Foi o Luis que nos contou que no passado, logo após a revolução, o governo vendeu imóveis a preços muito baixos para eles. Atualmente, mais de 90% das casas são do povo, privadas. Então quem quer comprar hoje precisa negociar diretamente com o proprietário.

Em Centro Havana elas custam entre 10k e 15k CUC. Miramar é um bairro mais moderno, lá custam em média 100k CUC. Já em Novo Vedado (que é mais novo) as casas são maiores e modernas e podem custar até 1 milhão de CUC.

Essas negociações são feitas por anúncios em uma página na internet e também pelo aplicativo Revolico, que é uma espécie de olx cubano. Algo bem interessante que descobrimos por lá foi que a parte externa de todas as propriedades é responsabilidade do governo, as pessoas cuidam da parte de dentro só. 

La bodeguita del medio e el floridita: os favoritos de Hemingway

Se vai a Cuba, não se esqueça do ‘mojito em la bodeguita nem do daiquiri em el floridita’. A frase é simbólica, famosa e quase idolatrada pelos turistas que se espremem para conseguir as duas bebidas clássicas mais caras da cidade.

A gente gosta mesmo é de se misturar com os locais durante as nossas viagens, mas assumimos o papel de turista e lá fomos nós. Nos hospedamos em uma casa particular exatamente ao lado do La Bodeguita, mas foi só no terceiro dia que resolvemos encarar a multidão. 5 CUC, algumas cotoveladas e tivemos direito a 200ml de mojito nas mãos. Sim, é bem mini.

Desculpa, Hemingway, mas foi só mais um mojito. 

Para a outra parada turística em El Floridita, já fui esperando o mesmo: bar lotado, música pega turista, preços inflacionados e nada demais. Não foi bem assim. Gostamos tanto do daiquiri que voltamos outras seis vezes – virou a nossa parada oficial pra refrescar no meio da caminhada.

Duvido que algum cubano já pisou lá pra se espremer no balcão, esperar vagar uma das mesas e pagar caro por uma bebida. É bem contrastante, inclusive, com a realidade do lado de fora. A gente respirava fundo, abria esse pequeno parênteses, aproveitava a wifi (paga) sem precisar pegar a fila imensa da ETECSA, o ar condicionado, a música animada e o delicioso daiquiri – dose dupla de rum e sem açúcar por causa da diabetes, como Hemingway fazia.

cheguei em cuba
olhei a necessaire
não tinha uma escova de cabelo

Simples, só ir à farmácia ou a um supermercado e comprar, certo? Não em Cuba.

O comércio por lá é claramente separado – há os locais para cubanos e os para turistas; a moeda dos cubanos e a dos turistas; o preço dos cubanos e o dos turistas.

Os supermercados são tão destoantes que é difícil até descrever – aqui ao lado a foto de uma bodega cubana, talvez a com prateleiras mais cheias que encontramos. Só itens essenciais, que chegam em pouca quantidade poucas vezes no mês.

Não tenho uma foto, mas as espaços para turistas pareciam uma lojas americanas em algum shopping decadente no interior de algum estado. Pegou a referência? Prateleiras cheias, mas tudo meio velho, meio sujo, meio jogado. E bem caro comparados às bodegas, um cubano comum não tem condições de comprar lá itens do dia a dia.

Entrei em todas que encontrei por 7 dias, a escova de cabelo tava sempre em falta. Os dedos fizeram seu papel durante toda a estadia em Cuba. Da próxima vez, vou conferir duas vezes a mala.

Se eu fosse pela primeira vez, não deixaria de...

1. Caminhar sem rumo, observando a vida acontecer

2. Fazer os free walking tours disponíveis pra conhecer mais sobre a história e a cultura a partir da experiência de quem vive lá

3. Conhecer Havana, as comidas e o sistema de distribuição de alimentos pelos olhos do Abdiel (contato pelo instagram e pelo airbnb)

4. Tomar muitos daiquiris no El FLoridita – seguimos tentando encontrar um que é tão bom quanto esse.

5. Ler o livro do Airton Ortiz antes ou durante a viagem.

6. Ir no museu da revolução.

7. Ver um por do sol no Malecón

Um mergulho pelos filmes, livros e outras referências de Cuba que gostamos

Série: Quatro estações (ou Cuatro Estaciones) – é uma pequena série de quatro episódios gravados em Havana, com cenários bem cotidianos. Cada episódio foi inspirado em um livro do escritor cubano Leonardo Padura, de roteiros policiais no qual um detetive principal precisa solucionar os casos.

Filme: Fúria Cubana (ou Furia Cubana) – sobre dança.

Filme: Los reyes del mambo – sobre música e dança.

Documentário: Buena Vista Social Club – conta mais sobre o tradicional cabaré cubano que recebeu muitas personalidades.

Filme: Papa: Hemingway en Cuba

Livro: Expedições Urbanas – Havana – um livro interessantíssimo escrito por Airton Ortiz

Documentário: Cuba Libre – um documentário produzido pela Netflix que conta muito sobre a história cubana.

Filme: “Morango e Chocolate”, de Juan Carlos Tabío e Tomás Gutiérrez Alea – é o mais conhecidos de todos, ganhador de muitos prêmios internacionais e discute temas como tolerância, discriminação e preconceitos dentro da sociedade cubana,

Filme: “7 Dias em Havana” – sete diretores dirigiram o filme, cada um com 15 minutos de participação mostrando as singularidades de Havana.

Filme: “A Cidade Perdida”, de Andy Garcia

Filme: “Uma Noite”, de Lucy Mulloy